Bem, esta foi uma crônica que escrevi para um jornal da região... não foge do tema do blog que são contos baseados no cotidiano. Bom, chega... boa leitura e espero que gostem!
Quando as coisas quebram
Israel Fabiano Souza
A morte de
alguém precioso e necessário; um acidente; um rompimento com um companheiro de
décadas (ou de dias, quem sabe); uma carta de demissão; um paradigma
desacreditado; uma palavra: qualquer coisa pode servir para que algo em nós se
quebre.
Acredito que
vivemos correndo a vida inteira deste evento e muitas vezes falhamos. Ele é
inevitável e, para aquele que aqui escreve, tão certo quanto a morte. Quem
nunca padeceu desse acontecimento que atire a primeira pedra, e com isso quebre
algo ao redor de si. Sofremos desse trágico fato e por mais que tentemos
esquecê-lo, embriagados nas conquistas e vitórias de nossa vida, ele
sorrateiramente nos espreita em tempos sombrios e nebulosos. Quebramos nossos
corpos, quebramos nossos corações, nossas vontades e nossos sonhos. Muitas
vezes também quebramos nossas vidas, as vidas de outras pessoas, o mundo.
Algumas vezes as pedras têm como alvo a nossa direção, em outras circunstâncias
somos nós que nos tornamos os projéteis que fatalmente quebrarão algo.
Não olhamos
com bons olhos quando algo se quebra. As coisas aparentemente devem ficar em
seu estado original, nunca dilaceradas e em pedaços. Estamos acostumados a
pensar assim. Nossa experiência histórica nos mostra que o fragmento, o pedaço,
a parte, nunca supera a beleza apolínea do todo, da forma perfeita, do
completo. E com isso associamos (ou talvez seja mesmo uma relação de causa e
efeito e não apenas uma associação psicológica) a dor, o feio, o incompleto e
imperfeito, o inacabado ou (para resumir numa palavra) o quebrado, às dores que
experimentamos no decorrer de nossos anos neste mundo.
Mas e o que
fazer quando algo assim acontece? Quando só nos sobram apenas os extratos da
coisa mesma, quando ela já não é mais reconhecida como aquilo que era até
então? Certamente algo assim vem acompanhado da dor, da agonia, da ausência de
sentido e de um estranho sentimento de estar flutuando num lócus sem
fundamento, como se tirassem de nós o chão que pisamos ou os pés que nos auxiliam
a caminhar. Penso nas vezes que isto aconteceu comigo e sinceramente não tenho
uma fórmula precisa. Todo quebrar é único e necessita de um tipo de reação, e o
contraditório disso é que não estamos preparados para o momento, nunca estamos
pois ele vem sem nos avisar. Tudo o que fazemos quando as coisas quebram é
inicialmente tentar se convalescer da dor que isto faz surgir em nosso âmago. A
dor da questão tão angustiante que a acompanha: “e agora?”. Muitas vezes
esgotamos nossas forças no primeiro momento e nem sequer contamos com um
resquício delas para continuar a viver. O vazio que algo assim deixa em nós é
tão grande que se nosso tino se aventura nas malhas do desespero se perde para
sempre nos confins do desânimo, da loucura e da derrota. Tudo o que resta a fazer
é se ajoelhar e catar os cacos que ficaram, os fragmentos que insistem em nos
lembrar que a despeito do que aconteceu a correnteza da vida flui sem parar e
se ficamos paralisados a ponto de transformar esses cacos em grilhões nunca
saímos do lugar.
As coisas
quebram, e é isto uma das coisas que nos adverte que somos humanos, não deuses.
A nossa tragicidade foi tão perfeitamente colocada pelos poetas gregos que
dizem que só somos trágicos porque somos finitos. É esta finitude que nos define
e da qual muitas vezes temos medo, mas é esta mesma finitude que nos faz criar
forças para enfrentar o escuro futuro com bravura, pois o ser humano procura
mesmo sem saber criar um sentido naquilo que faz, um roteiro que possa ao final
de seus anos na terra repassar e enfim dizer: cumpri meu papel de homem. Talvez
seja esta a forma de nos curvarmos mais honradamente à morte, a maior das
maiores quebras.
Se as coisas
quebram, certamente é porque são frágeis, e é na sua fragilidade que reside sua
importância. Como o cristal que não queremos ver em pedaços no chão, também não
queremos nossa vida – nela inclusas todas as coisas caras para nós, aquelas que
quebram, conseqüentemente - esfacelada e espalhada aos quatro cantos,
desfigurada pelas abruptas fissuras que insistem em feri-la. Mas ela se quebra,
com já disse. Só nos resta a força para enfrentar estes rasgos em nossa
existência e a delicadeza para entender que são estas coisas que fazem com que
percebamos o que nos é necessário e o que nos é prescindível, o cristal e o
vidro. Amemos nossas caras coisas, enquanto ainda jazem inteiras. E quando se
quebrarem, que haja doçura na tristeza, e sabedoria em saber colar as peças,
uma por uma, mesmo que elas não se encaixem mais como antes, ou então
determinação de jogar fora aquilo que já não vale mais a pena. Pois existem
coisas quebradas que valem a pena ser consertadas e outras que é melhor que
sejam esquecidas no lixo. E assim nossa vida segue.
"Tudo na gente que não morreu, cercado por tudo que mataram, é uma ilha" Oswaldo Montenegro.
ResponderExcluirMuito bom o texto. A vida Continua.
ResponderExcluirEis que o visitante do irmão, da amiga é mesmo um escritor!! Parabéns, escreve muito bem!
ResponderExcluirParabéns Israel!!! Gostei do texto. bjs Paiaça Pirilim :)
ResponderExcluirObrigado ao J.Rocha e a Viviane! Há tempos não escrevia e por isso não vi que vocês realmente leram meus contos! A promessa de fazer um conto sobre vocês ainda está de pé. Abraços!
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